Neste ano, nós, católicos no Brasil, somos convidados a, neste tempo quaresmal, refletirmos de um modo muito especial acerca dos laços de fraternidade que nos são dados através do que se denomina por amizade social. Sob o lema "Vós sois todos irmãos e irmãs" (Mt 23,8), a Igreja no Brasil se inspirou em mais um texto dotado de grande significado, com o qual fomos presenteados pelo Papa Francisco, a saber, a Carta Encíclica "Fratelli tutti".
Para que possamos responder ao convite formulado pela Campanha da Fraternidade de 2024, tornando o tempo quaresmal esta ocasião tão singular de recolhimento e reflexão sobre nossa experiência de fé, é preciso fazermos uma espécie de imersão sobre as raízes mesmo da proposta que nos foi direcionada. É bastante oportuno, então, que nos aproximemos das lições ofertadas pelo Papa Francisco, contidas de modo muito especial e profundo na "Fratelli tutti".
Não por acaso, a Encíclica foi publicada por Francisco no dia 03 de outubro de 2020, véspera do dia em que a Igreja faz memória a um outro Francisco: São Francisco de Assis. "Fratelli tutti", que, em italiano, quer dizer "Todos irmãos", nos remeteu a refletir sobre o conceito de amizade social sob a inspiração do Pai Seráfico (São Francisco de Assis), quem "semeou a paz por toda parte e andou junto dos pobres, abandonados, doentes, descartados, enfim, dos últimos." [1]
Publicada no ápice do isolamento social tristemente imposto pela pandemia da COVID-19, a Carta Encíclica nos provocou a dar conta de que estamos atualmente situados em mundo conectado, mas fragmentado, diante dos problemas que afetam nossa vida em sociedade. Um mundo aberto pela globalização, mas fechado para o outro, que é diferente de mim e que, por isso, tanto me causam desconforto. Um mundo que se sustenta, sem reservas, na lógica do descarte e ignora sujeitos que ainda incomodam a grande massa social: o pobre, o deficiente, o negro, o que ainda não serve (nascituro), o que já não serve mais (o idoso)...
Lembra-nos o Papa Francisco que somos convidados, diariamente, a promover a cultura dos muros, isto é, a olhar todo aquele que não integra minha "comunidade de iguais" como um ser incômodo, que deve permanecer à distância de mim porque não merece, nem um pouco, minha atenção.
Vivemos em uma verdadeira bolha social, bastante favorecida pelo incremento da tecnologia, a qual pode, sim, nos aproximar do outro lado do universo, mas que também é cruelmente capaz de nos afastar do toque, do cheiro e de todo encontro corpóreo com o outro, comprometendo a constituição de um "nós". A esse respeito, o Papa Francisco nos ensina:
"A tecnologia avança continuamente, mas como seria bom se, ao aumento das inovações científicas e tecnológicas, correspondessem também uma equidade e uma inclusão social cada vez maiores! Como seria bom se, enquanto descobrimos novos planetas longínquos, também descobríssemos as necessidades do irmão e da irmã que orbitam ao nosso redor!"[2]
As marcas do mundo de hoje precisam ser compreendidas e enfrentadas pelos cristãos e por todos os homens de boa vontade como uma grande oportunidade para pensar e gerar um mundo aberto, através da promoção da amizade social, que rompa as fronteiras sombrias de um mundo fechado, de uma comunidade de iguais, de modo a nos lançarmos na grande aventura em que consiste o encontro entre sujeitos diferentes em suas realidades, características e perspectivas.
Com efeito, o ser humano não encontra seu significado existencial se estiver limitado a se relacionar exclusivamente com o grupo social no qual está inserido. As relações mais preciosas, tais como a família e a amizade, devem conduzir o sujeito à experiência de novas relações, com pessoas diferentes. Do contrário, estes vínculos sociais favoreceriam o intimismo exagerado e o individualismo que não se adequa à doutrina cristã.
A amizade social consiste, então, na experiência de uma especial hospitalidade. É a maneira concreta de exercitar o dom que é o encontro com a humanidade mais além do próprio grupo no qual estamos inseridos.
Através da experiência da hospitalidade, edificamos a amizade social com os forasteiros existenciais, ou seja, com os sujeitos desprezados e invisíveis, apesar de terem nascido no mesmo país, na mesma cidade, no mesmo bairro. Apropriados da ideia de amizade social, somos provocados a superar a lógica de um mundo de sócios para compreendermos que nossa existência, onde quer que estejamos, deve traduzir-se na experiência do serviço:
"A solidariedade manifesta-se concretamente no serviço, que pode assumir formas muito variadas de cuidar dos outros. O serviço é, em grande parte, cuidar da fragilidade. Servir significa cuidar dos frágeis das nossas famílias, da nossa sociedade, do nosso povo.(...) O serviço fixa sempre o rosto do irmão, toca sua carne, sente sua proximidade e, em alguns casos, até padece com ela e procura a promoção do irmão. Por isso, o serviço nunca é ideológico, dado que não servimos ideias, mas pessoas."[3]
O magistério da Igreja, contido na Carta Encíclica Fratelli Tutti, nos provoca, de um modo muito especial, na realidade social em que estamos inseridos. Estamos situados em um país integrante da América Latina, com grandes desigualdades sociais e econômicas, que clamam por atenção e sensibilidade de todos. Mais ainda, estamos situados em uma região - a Região Nordeste - na qual estas discrepâncias ainda são mais acentuadas. Somos, portanto, convidados a enfrentar, como cristãos, estes desafios, em nosso bairro e em nossas relações mais próximas e cotidianas. Diariamente, tocamos a existência de um sem-número de forasteiros existenciais. Em casa, em nossa comunidade paroquial, no trabalho ou na escola, somos convidados a lidar com as diferenças que nos incomodam, mas que nos edificam como sujeitos no mundo. Promover a cultura do encontro e concretizar a experiência da amizade social é, sem sombra de dúvidas, testemunhar a fé que professamos, solenemente, em nossas celebrações litúrgicas e que nos convida a uma experiência concreta de vida comunitária.
Que a amizade social nos leve a crer que somos "fratelli tutti", todos irmãos. Que ela nos faça compreender que os caminhos que nos levam ao outro, certamente, também nos levam ao Outro, fonte do Amor Universal.
Que esta Quaresma, tal como somos provocados pela Campanha da Fraternidade deste ano, seja o tempo propício para pavimentar um caminho rumo ao verdadeiro significado da Páscoa: celebrar o túmulo vazio como a verdadeira e fundamental razão para celebrar o coração cheio, ocupado pelo Mistério que nos conduz ao reencontro consigo mesmo e ao encontro com as demais pessoas, tão diferentes de nós mesmos na exata medida em que são tão semelhantes a nós mesmos: constituídos à imagem e semelhança do Divino.
Que Deus nos abençoe e que a Senhora de Fátima interceda por todos nós!
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